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Três casos de estupro durante a maior festa de rua do mundo reforçam o quanto Salvador (BA) não é segura para mulheres 

Por Brenda Gomes

Nem só de alegria e animação se fez o Carnaval de Salvador (BA) este ano. Mesmo com a baixa repercussão na mídia, três casos de estupro ocorridos durante os dias da folia ofuscaram o brilho da festa. Os crimes expõem não apenas a vulnerabilização das mulheres durante o evento e o enraizamento da cultura do estupro em nossa sociedade, mas também as falhas gritantes do sistema de segurança pública.

Os dois primeiros casos ocorreram dentro do circuito Dodô, no bairro de Ondina, a apenas 1 km de distância um do outro. No primeiro caso, uma vítima relatou ter sido cercada na madrugada de sexta-feira (9) por quatro homens enquanto urinava nas imediações do Morro do Escravo Miguel. O segundo caso ocorreu na manhã de domingo (11), na Rua Baependi, revelando como os violentadores sentem-se à vontade para praticar o abuso mesmo em áreas movimentadas, com policiamento ativo e próximas às festividades, o que intensifica a sensação de insegurança para as mulheres. O terceiro crime ocorreu no Centro Histórico de Salvador, também durante os dias de folia, enquanto uma turista saía de um camarote.

Até o momento, nenhum suspeito foi preso, apesar da análise das imagens das câmeras de segurança das áreas onde os crimes ocorreram. A falta de progresso nessas investigações é preocupante e reflete a ineficácia do sistema de justiça em lidar com crimes de violência contra mulher. É fundamental uma resposta rápida e eficaz das autoridades em relação a esses casos. Além disso, é necessário um esforço coletivo para enfrentar as causas subjacentes da violência de gênero e para criar um ambiente onde todas as mulheres possam desfrutar do  Carnaval e de qualquer outro evento sem medo de se tornarem vítimas de violência e abuso, que também se apresenta no cotidiano da nossa cidade, impactando sobre o direito de ir e vir e sobre o controle dos nossos corpos. 

É alarmante que esses estupros tenham ocorrido em locais movimentados, como o circuito Dodô, em Ondina, onde se encontra uma presença policial reforçada e uma atmosfera de celebração coletiva. Este cenário reforça a naturalização das práticas de abuso e violência sexual e física contra às mulheres e a certeza da impunidade e da legitimação social intrínseca em falas e posturas coniventes.. Além disso, é perturbador o fato de que dois dos casos tenham acontecido em uma área relativamente pequena, com uma distância de apenas cerca de 1 km entre eles. Isso sugere uma falha ainda maior na vigilância e na proteção das autoridades, que não foram capazes de garantir a segurança mesmo em áreas consideradas “mais seguras”.

A falta de testemunhas ou intervenção imediata também levanta questões sobre a cultura de silêncio e complacência que faz parte da cultura de violência contra a mulher. Em muitos casos, as pessoas testemunham situações de risco, mas optam por não intervir ou denunciar, seja por medo, apatia ou por acreditar que não é responsabilidade delas. Isso perpetua a impunidade dos agressores e a violência de gênero.

Esses incidentes não são apenas casos isolados, mas sintomas de uma cultura de machismo e impunidade que permeia a sociedade baiana e brasileira como um todo. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), somente nos primeiros seis meses de 2023 foram registrados 34 mil casos de estupro no Brasil. Neste período, foram 722 mulheres vítimas de feminicídio e mais 1.902 foram assassinadas e tiveram os casos registrados como homicídio. Enquanto a cultura de machismo persistir, as mulheres – sobretudo as mulheres negras – continuarão a enfrentar ameaças à sua segurança e integridade, seja em espaços privados ou públicos onde deveriam se sentir livres e protegidas.

Portanto, é essencial que esses casos de estupro durante o Carnaval sejam tratados com a seriedade e urgência que merecem. Isso inclui não apenas investigações rigorosas e punições adequadas para os agressores, mas também a implementação de políticas e programas que promovam a igualdade de gênero, educação sobre consentimento e respeito pelos direitos das mulheres. 

ORIENTAÇÕES EM CASO DE ESTUPRO

A primeira medida é buscar o serviço de saúde. A ocorrência policial pode/deve ser registrada de forma posterior ao atendimento já com suporte psicossocial da vítima. É recomendado buscar o local o mais rápido possível para receber as medicações contra doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), exames clínicos, administração da pílula do dia seguinte (até 72h após o abuso sexual) – a chamada Profilaxia Pós-Exposição de Riscos (PEP) – e iniciar o acompanhamento psicossocial. 

Em Salvador há um serviço de referência para atendimento às vítimas de violência sexual, o Serviço AME – Atendimento Vítimas de Violência Sexual do Hospital da Mulher, localizado na Rua Barão de Cotegipe, 1153, Largo de Roma. Para o atendimento, a vítima não é obrigada a apresentar boletim de ocorrência. 

Telefones para contato com o Serviço AME – Atendimento Vítimas de Violência Sexual do Hospital da Mulher:

(71) 4141-6520

(71) 3034-5005

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